terça-feira, 22 de maio de 2012

Apostila de concurso copia texto da web

Por: MARIANA LENHARO

Quando resolveu prestar um concurso público para o Senado Federal, no início do ano, a pesquisadora Shirley Pereira Cardoso comprou uma apostila pela internet para estudar os conteúdos que cairiam na prova. Ao folhear o material, da editora Nova – Apostilas para Concursos Públicos, ela levou um susto ao ver um texto de sua própria autoria impresso nas páginas do livro.

O artigo “Cinema brasileiro contemporâneo: retomada e diversidade” aparecia reproduzido integralmente, mas a autoria não era identificada. O texto foi publicado no capítulo “Mundo Contemporâneo”, que trazia conteúdos referentes a uma das exigências descritas no edital do concurso: o conhecimento de atualidades, cultura e sociedade brasileira.

No mesmo capítulo, é possível identificar também textos provenientes de outros artigos científicos, da Wikipédia e até de blogs escritos por adolescentes. Nenhum menciona a fonte de onde os textos foram retirados nem seus verdadeiros autores.

Para o especialista em preparação para concursos Alexandre Meirelles, que foi aprovado em cinco concursos da área fiscal e atua como professor e palestrante da rede LFG, as apostilas preparatórias não são uma boa alternativa de estudo e acabam sendo “um dinheiro jogado no lixo”. “O pessoal que estuda já há algum tempo sabe que estudar pela apostila é uma furada. Ninguém passa assim. O que cai na prova não está na apostila. Elas vendem muito porque 95% dos candidatos não sabem nem o que é concurso”, diz.

“Ao reconhecer meu texto, não acreditei, perdi o reflexo”, diz Shirley. Ela conta ter se sentido duplamente enganada: tanto por ver seu artigo publicado sem autorização nem reconhecimento de sua autoria quanto por ter pago R$ 50 no material que ela acreditava ser de qualidade (com o frete, o valor subiu para quase R$ 80). Ela havia escrito o texto em 2009 sob orientação da professora Rosana Elisa Catelli que, na época, lecionava na Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), em Ilhéus, na Bahia.
Para Rosana, que atualmente é pós-doutoranda do Departamento de Cinema do Instituto de Artes da Unicamp, se fosse uma apostila acadêmica e se a referência da autoria fosse citada, não haveria problema na reprodução do artigo. “O mais grave é que eles montam uma apostila com o trabalho dos outros e ganham dinheiro com isso”, diz. Ela foi comunicada sobre o plágio por sua ex-aluna Shirley e estuda processar a editora.

O advogado Gilberto Bergstein, especialista em direitos autorais, explica que a editora infringiu a lei 9.610, que regula justamente os direitos autorais. Por esse motivo, a empresa pode ser condenada a indenizar os verdadeiros autores dos textos. “Esses textos científicos são obras protegidas. Um dos direitos do autor é ter seu nome anunciado como autor da obra, quando ela for utilizada. Ele acrescenta que o fato de a editora estar lucrando com a venda do material faz com que também exista uma questão de direito do consumidor, que compra a apostila pensando se tratar de um material idôneo.

Procurada, a editora Nova – Apostilas para Concursos Públicos afirmou que a elaboração dos conteúdos das apostilas é terceirizada. O advogado da empresa afirmou que, por enquanto, ninguém vai se pronunciar sobre o assunto.

Blog

O estudante de Jornalismo Renan Machado Guerra, de 19 anos, surpreendeu-se a ao ser informado pela reportagem que um texto sobre música que escreveu em 2010 para seu blog pessoal havia sido reproduzido na apostila didática. “Acho até curioso uma vez que, relendo o texto, vejo que não está tão bom, tem alguns erros. Não sei como eles usaram isso em uma apostila para concurso”, diz.

Hoje, ele está no terceiro ano da faculdade, mas, na época em que escreveu o artigo, tinha apenas 16 anos e cursava o ensino médio. “O texto tem erros de lógica e não tem tanta informação relevante. Se tivessem pedido a minha autorização para ser publicado, proporia uma revisão do conteúdo”, diz. Para Guerra, o fato de o texto estar na internet faz com que muita gente pense que pode utilizá-lo de qualquer forma. “Pode ser que as pessoas nem cobrariam pelo uso do texto, mas seria importante pelo menos avisar que ele seria comercializado”, acrescenta.

Fonte: Blogs Estadão

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